O Fantástico fica frente a frente com o homem que, há dois meses, jogou o carro contra um grupo de ciclistas e feriu 17 pessoas. Em uma entrevista exclusiva, como ele explica tanta violência?
“Eu nunca tive a intenção de matar nenhuma dessas pessoas. Eu nem conhecia ‘eles’, não teria nenhuma razão para matá-los”, afirmou o motorista Ricardo Neis.
Este é o atropelador. Seu nome: Ricardo José Neis, 47 anos, bancário, em Porto Alegre. Um homem que, durante toda a entrevista, tenta controlar o nervosismo e justificar seu ato. “Eu só pensei que, se eu parasse, eu seria linchado. Minha única alternativa era sair dali”, disse.
Orientado pelos dois advogados, que acompanharam a gravação, Ricardo Neis manteve sempre a mesma versão. “Naquele momento, naquela situação, eu estava sendo agredido, eu entrei em pânico”, contou.
O homem que atacou um grupo de 150 ciclistas com o próprio carro conseguiu na Justiça, há dez dias, o direito de responder ao processo em liberdade. “Naquele dia, eu estava indo levar meu filho na casa da mãe dele. Ele tinha passado a semana toda comigo”, lembra.
No caminho, Ricardo deu de frente com os ciclistas do Movimento Massa Crítica. São homens e mulheres que se reúnem uma vez por mês para defender o uso da bicicleta como meio de transporte.
Naquela noite de 25 de fevereiro, o grupo, com cerca de 150 ciclistas, percorreu um trajeto pelo Centro de Porto Alegre. Eram 19h. Ricardo e os ciclistas se encontraram em um ponto e, segundo o motorista, o grupo impediu sua passagem.
“Fecharam o trânsito e tomaram conta da rua ali. Eu parei o carro, alguns deles se atiraram para cima do capô, outros deram alguns socos. Eu fiquei bastante nervoso, e meu filho também. Então, eu procurei apaziguar. Baixei o vidro, disse para eles que não precisavam fazer daquela maneira, porque havia lugar para todo mundo na via”, lembra Ricardo Neis.
Um quarteirão dali, Ricardo afirma que os ciclistas abriram passagem. A situação, que parecia resolvida, se complicou. “Quando eu ultrapassei aí eu vi que eles se enfureceram. Então, nesse momento, eles realmente começaram a agredir o carro. Quebraram o espelho, deram várias batidas mais fortes. Aí, então, meu guri estava em pânico, eu fiquei em pânico também e procurei fugir”, disse.
Às 19h10, Ricardo saiu em disparada. Imagens mostram o momento em que ele acelera e joga o carro em cima dos jovens. “Mas o senhor não poderia ter pego à direita ou uma outra rua e evitado esse atropelamento?”, pergunta o repórter. “Se soubesse que iria haver uma agressão pior, poderia ter feito isso antes”, respondeu Ricardo Neis.
Depois de atropelar um grupo de ciclistas em uma rua na região central de Porto Alegre, Ricardo fugiu sem prestar socorro às vítimas. Foi preso e denunciado por 17 tentativas de homicídio. Chegou a ficar quase um mês na cadeia.
“Eu agi de forma instintiva, a minha intenção era sair dali. Não estava com raiva naquele momento, eu estava em pânico, eu estava com medo. Se eu pudesse prever o que aconteceria, se eu pudesse prever a agressão, mas eu teria que ter uma bola de cristal”, alega Ricardo Neis.
“Não era melhor o senhor parar o carro e pedir ajuda a um policial ou tentar desviar?”, pergunta o repórter. “Como? Não haveria tempo, não haveria tempo. Você há de convir comigo que você não pode ter uma manifestação, uma passeata no meio do trânsito”, justifica Ricardo Neis.
Os ciclistas Marcos, Suryan e Ricardo estavam no grupo que pedalava naquela noite. Eles contestam a versão do atropelador: dizem que não foram eles que começaram a confusão.
“Naquele evento ninguém, não tinha nenhuma pessoa tomando atitudes agressivas. As pessoas ficaram até em volta do carro para tentar parar ele, porque ele estava, de fato, acelerando, dando aquelas pequenas aceleradas para passar”, conta o ciclista Suryan Cury.
Ninguém quebrou o carro dele, ninguém! Bateram na janela: ‘Calma aí, vamos conversar’, e ele não se mostrou nem um pouco aberto ao diálogo”, comenta Marcos Rodrigues, uma das vítimas. “Ele é um exemplo de muitos motoristas que estão por aí descontrolados”, aponta Ricardo Ambus, outra vítima do atropelamento.
“Porque realmente eu estava totalmente transtornado e ainda fiquei durante um bom tempo”, afirma o motorista. “Então, o senhor disse que tinha problemas psiquiátricos, que iria ser internado, é isso?”, pergunta o repórter. “Não, não. Na realidade eu não tinha problemas psicológicos, eu fiquei com problemas, o que o médico colocou lá foi estresse pós-traumático”, diz o motorista Ricardo Neis.
O ciclista Marcos Rodrigues também aparece rapidamente nas imagens no momento em que o motorista avança sobre o grupo. “Foi aí que eu olhei para trás e vi gente voando por cima do carro. Aí eu pensei: ‘Bom, eu tenho que sair daqui’. Só que eu acordei no chão”, conta.
“Graças a Deus que foram lesões leves e danos materiais. Graças a Deus. Não estou nem preocupado com meu carro, que não aconteceu nada pior”, disse o motorista Ricardo Neis.
Segundo o Ministério Público, Ricardo Neis tem um histórico de infrações no trânsito. São cinco multas em dois anos. Entre elas, por dirigir na calçada e ultrapassar na contramão. Na vida pessoal, Ricardo foi acusado de tentar agredir a ex-namorada com uma machadinha e um facão, dentro do carro, em junho do ano passado, mas a denúncia não virou processo.
O promotor Eugênio Paes Amorim acredita que um homem com o perfil de Ricardo não deveria estar em liberdade. “Ele sabe que está com um carro altamente potente, com motor potente, atuando contra ciclistas, veículos mais fracos e mais expostos. Ele tinha plena ciência de que, com aquela ação, ele podia matar as pessoas, esta é a acusação inicial”, afirma.
“O senhor sente algum remorso?”, pergunta o repórter a Ricardo Neis. “Claro que eu pensei muito nisso. Claro que isso que você está colocando, eu me pergunto muito: ‘Será que eu avaliei certo aquele momento?’. Eu realmente penso isso”, diz o motorista.
Fonte: Programa Fantástico (Rede Globo)
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